quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Flanando... perambulando, como dizia o poeta João do Rio.

Passar o mouse nas fotografias para identificar o título de cada uma:
João do Rio, poeta, jornalista, cronista, tradutor de Oscar Wilde no Brasil, teatrólogo.

Entrevista feita por João do Rio à Olavo Bilac em dia incerto de junho de 1907
A casa do poeta é de uma elegância delicada e sóbria. Ao entrar no jardim, que é como um país de aromas, cheio de rosas e jasmins, ouvindo ao longe o vago anseio do oceano, eu levava n'alma um certo temor. Eram oito horas da manhã, apenas oito horas. A rua parecia acordar naquele instante, os transeuntes passavam com o ar de quem ainda tem sono, e o próprio sol, muito frio e formoso, parecia bocejar no lento adelgaçar das névoas. — Só muito cedo encontrar-me-ás em casa, dissera ele, e eu mesmo sabia que o cantor do Caçador de Esmeraldas acorda às cinco da madrugada, escreve até as dez, sai e não recolhe senão depois da meia-noite, porque o entristece ficar num gabinete sem outra alma, à luz dos bicos de gás. Quando, porém, ia tocar o timbre de um velho bronze, o meu receio desapareceu. Estavam as portas da sala abertas e eu via Bilac curvado sobre a mesa a escrever.(...)
João — (...)O poeta faz-me sentar.
Bilac — Oito horas já? Há não sei quantas escrevo eu.
João — Versos?
Bilac — Oh! Não, meu amigo, nem versos, nem crônicas — livros para crianças, apenas isso que é tudo. Se fosse possível, eu me centuplicaria para difundir a instrução, para convencer os governos da necessidade de criar escolas, para demonstrar aos que sabem ler que o mal do Brasil é antes de tudo o mal de ser analfabeto. Talvez sejam idéias de quem começa a envelhecer, mas eu consagro todo o meu entusiasmo o entusiasmo —que é a vida — a este sonho irrealizável.(...)
(...)Tenho que há na vida coisas que se dizem mas não se escrevem, coisas que só se escrevem e outras que nem se escrevem nem se dizem mas apenas se pensam. Seria feliz se me viesses perguntar aquela, que sem me entristecer aos outros, pudesse ser pensada, falada e escrita. É entretanto difícil...(...). Somos uma raça em formação, na qual lutam pela supremacia diversos elementos étnicos. Não pode haver uma literatura original, sem que a raça esteja formada, e já é prodigiosa a nossa inteligência, que consegue ser esse reflexo superior e se faz representativa do espírito latino na América. Ah! A nossa inteligência! É possível atacar, espezinhar, pulverizar de ridículo tudo o que constitui o Brasil, a sua civilização e o esforço dos seus filhos. Esses ataques são em geral feitos por brasileiros.Duas coisas porém ficam acima dos maus conceitos: a beleza da terra e o espírito que a habita, o encanto da natureza e a clara inteligência assimiladora dos homens.
Os comerciantes, os artistas em tournée, os humildes e os notáveis levam daqui a impressão imorredoura de que não há país mais aberto a todas as idéias generosas, mais espiritualmente irônico. Poderíamos acrescentar: nem mais indolente (...)nós começamos a fazer livros socialistas. Esta última corrente arrasta, no mundo, todos quantos se apercebem da angústia dos pobres e do sofrimento dos humildes.Um artista sente mais as dores terrenas que cem homens vulgares, os poetas são como o eco sonoro do verso de Hugo, entre o céu e a terra, para transmitir aos deuses os queixumes dos mortais...
(...) A Arte de hoje é aberta e sujeita a todas as influências do meio e do tempo: para ser a mais bela representação da vida, ela tem de ouvir e guardar todos os gritos, todas as queixas, todas as lamentações do rebanho humano. (...)
O que urge é compreender isso, e é aproveitar a lição dos fatos.(...)pairando sobre nós, a ameaça das epidemias morais, que depauperam o organismo social, e o conduzem à indisciplina, à inconsciência e à escravidão. (...)O problema que tem de ser resolvido, juntamente com esses dois, é o da instrução. E o que dói, o que desespera, é que toda a gente culta do Brasil tem a consciência disto, e que, há mais de um século, esta verdade, anunciada, proclamada, escrita, em todas as tribunas, em todos os livros, em todos os jornais, ainda não achou governo que a servisse em terreno prático.
João — Houve um silêncio. O poeta falava como um filósofo (...)
Bilac - (...) Não há talentos do Norte nem do Sul. Há talentos brasileiros (...).Mas se um moço escritor viesse, nesse dia triste, pedir um conselho à minha tristeza e ao meu desconsolado outono, eu lhe diria apenas: Ama a tua arte sobre todas as coisas e tem a coragem, que eu não tive, de morrer de fome para não prostituir o teu talento!
http://www.revistabula.com/colunas/504/Joao-do-Rio-entrevista-Bilac

Ocultei algumas partes da entrevista para que o texto não fique demasiado longo. Importante observar que 15 anos após essa entrevista que fala de arte, educação, cultura, publicações e identidade latina tivemos a Semana da Arte Moderna em 1922,em São Paulo.
Outro lançamento, em 1929, o livro Raízes do Brasil,um estudo social e antropológico de Sérgio Buarque de Hollanda, sobre as origens étnicas do comportamento social do "indolente e cordial" brasileiro.
As discussões políticas, estéticas e morais continuam atuais, pois por mais que tenhamos escolas hoje nesse país, as crianças, jovens e adultos continuam analfabetos, na leitura e na escrita; analfabetos visuais, porque não lêem os significados do que vêem e assistem nos canais massificados da televisão brasileira; e por fim, analfabetos culturais, pois a educação é imediatista e provém comida, diversão e pouca ou nenhuma importância à arte e à memória patrimonial(lembremos que na guerra a primeira coisa que se faz é saquear os museus, a memória e distribuir os despojos aos vencedores - ler O Príncipe, Maquiavel).

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