quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Poema do Menino Jesus - O doce mistério da vida


Um meio dia de fim de primavera
Eu tive um sonho como uma fotografia
Eu vi JESUS CRISTO descer a terra
Ele veio pela encosta de um monte
Mas era outra vez menino a correr
E a rolar-se pela relva,
A arrancar flores para deitar lá fora
E a rir-se de modo a ouvir-se de longe...
Ele tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir-se de segunda pessoa da trindade.
Um dia que Deus estava dormindo
E o Espírito Santo andava a voar
Ele foi até a caixa dos milagres e roubou três;
Com o primeiro, ele fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido;
Com o segundo, ele se criou eternamente humano e menino;
Com o terceiro, ele criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois ele fugiu para o sol e desceu pelo primeiro raio que apanhou
Hoje ele vive na minha aldeia, comigo.
Uma criança bonita, de riso natural;
Limpa o nariz com o braço direito; chapinha nas poças d’água,
Colhe flores e esquece; atira pedra aos burros,
Colhe frutas nos pomares e foge a chorar e a gritar dos cães,
Só porque sabe que elas não gostam e que toda gente acha graça
Ele corre atrás das raparigas que levam as bilhas na cabeça e...
Levanta-lhes a saia!
A mim ele me ensinou tudo...
Ele me ensinou a olhar para as cores nas flores...
E me mostra como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem na mão e olha devagar para elas...
damo-nos tão bem um com o outro
na companhia de tudo que nunca pensamos num no outro
vivemos juntos os dois, com acordo íntimo;
como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer nós brincamos,
as cinco pedrinhas no degrau da porta de casa...
Graves! Como convém a um Deus e a um poeta;
Como se cada pedra fosse TODO O UNIVERSO
E fosse por isso um perigo muito grande deixá-la cair no chão!
Depois ele conta história das coisas só dos homens, e ele sorri,
Porque tudo é incrível, ele ri dos reis e dos que não são reis...
E tem pena de ouvir falar das guerras e dos comércios.
Depois ele adormece, eu o levo no colo para dentro da minha casa,
Deito-o na minha cama... Despindo-o lentamente...
Como seguindo um ritual todo HUMANO, todo materno,
até ele estar NU!
Ele dorme dentro da minha alma...
Às vezes ele acorda de noite, brinca com meus sonhos...
Vira uns de perna pro ar; põe uns por cima dos outros
e bate palmas, sozinho,
Sorrindo para o meu sono!
Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno;
Pega-me tu ao colo e leva-me para dentro da tua casa...
Deita-me na tua cama; despe o MEU SER, cansado e humano;
Conta-me histórias caso eu acorde,
PARA EU TORNAR A ADORMECER... E DÁ-ME SONHOS TEUS
PARA EU BRINCAR!

Fernando Pessoa

Não deixe de assistir Maria Bethânia, essa doce bárbara declamando:
http://www.youtube.com/watch?v=HakV--x6LXM&feature=player_embedded#

Nenhum comentário: